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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Comentário do Professor Contador Borges sobre o poema: Olhando Para o Oceano

Agradecemos a colaboração do Professor Contador Borges, que atenciosamente atendeu ao nosso pedido contribuindo com um filosófico comentário sobre o poema: Olhando Para o Oceano - Kelly MacCartney.


O mar de Kelly MacCartney

A poesia de K.M. que começa a tomar forma sob o princípio de Apolo, Deus grego da harmonia e da luz, já mostra no úmido de sua nascença um impulso de escrita que fala por si em peças descritivas e declarativas em tonalidade bem temperada entre lirismo e ironia. Neste poema, constituído de seis estrofes e versos irregulares, o eu lírico declara nunca ter visto o oceano, movendo o tônus poético para o lugar do suspense, onde o leitor apanha o dardo lançado com os olhos e o leva adiante, pois é desta liberdade bem aventurada que goza toda leitura feliz. Por isso mesmo, o mar de que fala o poema surge numa descontinuidade entre um dado inexistente “Nunca vi o oceano” e o mar declarado pelo poema, o mar-artifício que nem de água é: “mar de terra,/seca, infértil”. O poema renega o mar “verdadeiro”, para colocar-se, desde logo, sob o signo da recusa e deste modo explorar, no contraste, alguma possibilidade de reflexão através do choque das figuras agenciadas, inconcebíveis, inusitadas figuras: “ossadas de boi” e “cobras-moréias”. Nesta hipóstase de matéria real imaginada (o “oceano de água salgada”) em substância propriamente poética (o mar negro dos signos), surge uma vocação primordial do meio líquido da vida no planeta, revelada em antítese, ou seja, a de ser “cemitério,/ Dormitório aquático,/Casa de Ulisses,/ Stuart e tantos outros”. Com o território do poético assim demarcado, o leitor já pode admitir que o oceano de K.M. pode acolher, transubstanciado, qualquer elemento estranho, que pelo poder imanente da arte, torna-se objeto próprio em cercania íntima, pois a graça da poesia também consiste em recriar o solo da vida para revelá-la ainda mais vital. É nesse momento que o leitor se depara com um sujeito mais distanciado (o narrador do poema), que desfaz a ilusão de início como se sofresse um “choque de realidade”. Imediatamente sentimos que outras águas mais concretas, por assim dizer, invadem o oceano lírico que sob efeito inusitado se mostra cada vez mais irônico e, por isso mesmo, crítico: “Quando vi o oceano,/ Tão azul, extenso, / Pensei: quanta água! / De onde veio?”. Não será difícil, neste instante, somarmos internamente os mares navegados em nossa trajetória existencial, já que como lembra o melancólico dito português: “navegar é preciso”. Pois é navegando nas breves águas deste texto que participamos do impacto sofrido pela persona da poeta, a qual, trazendo para dentro d’água suas referências de vida, sente o sal tocando em sua língua e, inebriada (e ao mesmo tempo irada), prenuncia na pergunta: “Vou virar carne-seca/ E cozinhar aqui, /Junto com o lixo?” É deste modo que o poema vai destilando seu amargo senso de realidade, mas nem por isso perdendo em lirismo, pois também é mister da poesia o caráter reflexivo por vezes disfarçado como uma segunda pele: “Sim, havia lixo.../ Por que está aqui? / Além da vala, / Oceano é aterro?”. O poema poderia até terminar neste ponto, isto é, suspender seu tempo verbal, deixando seu efeito suspenso como é costume neste gênero. Mas K.M carrega um pouco mais suas ondas em mais uma estrofe para, quem sabe, reforçar seu sentimento mesclado de admiração e revolta, dois sentidos grandiosos que a poesia há tempos tem feito ecoar em multifárias conchas homéricas.
Contador Borges

3 comentários:

  1. Professor Borges, muito obrigado por sua generosa contribuição.

    Abs.

    Diego

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  2. O poema é tão verdadeiro...e os comentários do prof Borges são certeiros! É triste ver o lindo mar azul virar lixão...

    Lindo o blog! parabéns meninos!

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  3. Poema sempre deixa nossa vida mais leve...
    Otimo Blog

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